sábado, 19 de setembro de 2009

O ROSTO DA BONDADE: crônica da vida real (Out/2010, por Vlad Araújo, publicação no blog www.vladdf.blogspot.com.br)

O ROSTO DA BONDADE
por Vlad Araújo, 2009

Naquela manhã, esquecera a luz interna ligada do carro, de modo que a bateria arriou. Até que na pista em frente ao portão, vinha aquele senhor, com um saco nas costas, barba branca, pele de jabuticaba, a imagem de todos bons velhinhos que conhecemos. Pedi-lhe ajuda, empurra daqui, dali, o carro pega. Desci o declive e aquele senhor já se punha novamente em sua marcha. Mais que um dever, ofereci-lhe carona, ao que ele disse “Ah, se o senhor me der, fico muito gradecido, é um pedaço bom que não vou caminhar”.

Conversa vai, conversa bem, diz que que de Vitória da Conquista/BA, veio em 1959 para a capital, há 50 anos não via os irmãos, nem a mãe, que hoje tem 83 anos. Juntou-se com uma mulher, se separou, mas esta lhe tomou o lote dado pelo Roriz, “o senhor sabe, como um cabra pode ser besta assim, colocar lote no nome da mulher que nem conhece!”. Depois disse que conseguiu ganhar outro, graças a Deus. Perguntei-lhe do que vivia “trabalho na torre de TV, de 5ª. a domingo, com artesanato. Este saco aqui ta cheinho de folhas de uma árvore que faço uso nos adornos!”. Com meu urbano e pouco conhecimento, acertei uma “Ah, sei igual aqueles adornos que vendem ali perto da Catedral, trabalho daquele jeito,né?” “Isto mesmo, disse ele”. Depois já que a conversa era assistencialismo do governo, elogiou e falou bem do Lula (no que concordo), disse que o bolsa família tirou muito mendigo lá da Bahia das ruas, que carregavam um bisaco e seu destino incerto, lhes deu dignidade, alimento, e até um barraquinho construído, “o único governo que realmente olhou pela pobreza”, disse ele.

Chegando 2 km adiante, na pista, perguntou pra onde eu ia, “perto da rodoviária”, falei. “Então o Sr. Me deixa lá, melhor ainda, vou sentado no ônibus!” Figura boa, gente de astral bom e simples, lembra aqueles velhinhos que mascam fumo, pitam cachimbo e tantos nos enternecem quando vamos no interior,com suas histórias. Fim do trecho, rodoviária, lá se vai ele, agradecendo – e agradecido, fico eu! – descendo do carro. Me dei conta que nem perguntei seu nome. E naquele dia de calor desarvorado, agoniante, conhecer aquele senhor me deu um refresco na alma